segunda-feira, 8 de junho de 2015

você deixou sua pulseira azul em casa essa noite. por pedro venturini.

estou me lembrando de algumas
horas atrás, quando estávamos
sentados na minha cama fazendo
tsurus de papel e rindo
{eu me deitei em seu peito
e pude ouvir seus pulmões
enchendo de ar, senti a sua
- pele lisa, seu cheiro meio doce
então, eu levantei a cabeça
e te beijei - é claro que nós
acabaríamos nos amando, é delicado
assim; e agora é plena madrugada
e sem motivo algum pensei em você,
pensei que o fato de amar alguém
talvez seja o sentido da vida, afinal,
o que me faz ser mais eu, do que
me sentar à cama e fazer tsurus de
papel com você? pra que os tsurus
de papel ninguém sabe, mas mesmo
assim continuamos dobrando as
folhas, pra que a vida? ninguém sabe,
mas mesmo assim continuamos nos
encontrando quase que todos os dias,
você sempre abre a porta e seu
cachorrinho corre até meus pés e
começa a pular, eu sempre olho pra
você vindo até o portão e me beijando,
sempre acabamos dizendo que
estávamos com saudades, por quê?
ninguém sabe.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

pergunte à alice quando ela tiver 10 pés de altura - venturini.

eu jogo
em um silêncio obtuso
em um debate entre partes
no calar das palavras tagarelas
no fogaréu do eterno ouvir-se

eu jogo
tudo que sou
porque sou o que digo e sôo
como aquilo que escuto em uma espiral
como anjos cantando na capela terça-feira
tenho medo da poesia
porque ela te come em palavras
e, portanto, jogo com ela em um tom jocoso
para à distrair enquanto me faço real, parado,
me constituo nela mesma, porque sou ela,
sou como a palavra com que sôo amedrontado
dizer nunca teve
tanta força como no dia em que dissemos
e dissemos que dizer nunca fez tanto sentido
a palavra não tem forma a não ser a que ela forma;
a não ser aquela forma; a não ser aquela fórmula
a palavra é tempo e o tempo é tão sólido quanto o
nada e todo mundo já sabe que a vida é nada
eu jogo à força
eu jogo a força
mas com que força continuo eu a jogar?
porque quando a gente menos espera
percebe que a vida é um absurdo sem tamanho
e sem dimensões.

terça-feira, 28 de abril de 2015

Corcunda. por Henrique Rodrigues.

"Eu realmente acho bonita gente torta A boca torta, de tanto beijo a torto e a direito Eu acho meio morta gente que tem jeito Eu acho realmente sexy, gente da cabeça torta Pendendo do pescoço, vendo o mundo meio torto Como ele sempre foi É sério que dá raiva, dá até uma alergia Vocês que tanto buscam uma tal simetria É bom mesmo ver gente do ombro torto Carregam o peso da vida de um lado Levantam as alegrias, do outro Ah, vai morrer pra lá! Eu não nasci quadrado Nasci torto, sou corcunda Você que quer ser certo Nem preciso de uma filosofia tão profunda O mundo é um deserto Então, meu filho Tira a cabeça da bunda E fica torto É sexy, é fácil e de graça E se você achar que isso é uma desgraça Eu te digo que é pior o desgosto De ver o povo querer ser certo sendo torto"

quarta-feira, 18 de março de 2015

O último sache de chá.

Minhas mãos tremem
ao tocar seu corpo
em partes cada vez
mais particulares
arranho sua alma,
me torno movimento
cada vez mais estético
and I feel your long hair
all over my body

[Um corte na cena]

há chá fervendo em
uma panela
dentro da minha cozinha
por entre os corredores
das minhas artérias
no abdômen do meu quarto
você cavalga - and ride;
manchas de batom
no travesseiro, vermelho
nos meus lábios

[Corte II]

A cena agora:
eu sentado em um
trem cheio/vazio
divagando em devaneios
sobre borboletas transcendentais

Você tem a minha palavra
e o que ela diz é sobre
essa multidão de ninguém...

"Ele acorda às 6 da manhã
coloca uma roupa social
e ninguém sabe pra quê
Ela acorda às 5:45 passa ma-
quiagem forte e ninguém
verá quem ela irá beijar
Eu acordo às 5:50 e escrevo
poesia que ninguém sente"

Estação Pinheiros:
A luz do diz consome
minhas pupilas, há um
gosto forte na minh'boca
caminho sonolento pela
calçada, rua sumidouro,
esquinas frias (18, 17 graus,
início de outono).

[Corta para uma
sala de aula]
Giz 1963, psicometria,
vozes ecoam na sala semi-
cheio-vazio, cartilhas de ética,
rorschach às 8:30 da manhã,
magnitude, intensidade,
gradação - axioma de
identidade...

[Corte IV]

Sala de estar, almoço
em família, "estar" - um
eu lançando-se em direção
a um oceano de infinitas
possibilidades...

Luz, câmera...

Luz nos seus lhos
intensidade no seu eu,
na respiração ofegante

Luz, câmera...

[Corte V]

Sofá, sala escura
mãos, seios, bunda,
cabelos - sinto seu corpo,
(sinto sem questionar
 que é sentir) e tenho vontade
de sentir mais ainda

[Corta para agora]

Uma mesa de escrever
papéis riscados com o
proto-poema (futuro)
"você acredita em seus sonhos?"
a névoa, os olhos embaçados,
o arrepio na coluna dorsal,
o eco, o eco, o eco...

segunda-feira, 16 de março de 2015

pássaros - pedro venturini.

que se abram
as portas das prisões
e outras faculdades [re-
corte em cut-up
de um livro velho-novo
sobre uma paris dos
anos 60] e meus tédios
ninguém comeu junto
sabe, nossas histórias
são como barcos à deriva
em meio a névoa no oceano;
nunca se pode enxergar
à frente e o que já foi
parece distorcido e distante
a experiência do real
não é tão mais real
estar bêbado é mais real
do que estar sóbrio
seus atos-reflexo se tornam
mais impulsivos
todo sentido passa
a ser questionado
não há certezas quando
se está bêbado
apenas a de que
há uma possibilidade
para tudo - ninguém
vê com os olhos de ninguém
são lentes incompatíveis
caminhos incompatíveis

[corte] para uma
auto-estrada vazia
com um céu azul triste
e o sol se pondo
num horizonte já negro
- com nuvens de chuva
a estrada, leva à lugar algum
à peças de xadrez prestes
a ganhar ou perder o jogo
e ninguém sabe
até o último segundo

até o último
cavaleiro se jogar
do penhasco
[ninguém ampara
o cavaleiro do mundo
delirante; mendes, murilo]
até a próxima
cerveja

[acendo o último
cigarro do mundo
trago silenciosamente
e busco esperança;
marcolino, alvaro]
todas as dores
como lágrimas
num oceano de merda

{beijos no
alvorecer de um
novo dia - de uma
nova fotografia}
retratos de infância
pendurados na
parede do meu
coração, textos
bêbados às 22:56
no meu quarto sozinho
pensando se há algum
sentido nisso tudo
quanto tempo
leva uma vida?
uma cena rápida
de um carro dirigindo
em uma estrada,
vagos trechos
que mal podem
ser percebidos
com todas essas
luzes brilhando
solitárias na noite
nos postes, nas casas,
nos apartamentos
e o bêbados urrando
para a lua, sozinhos,
perdidos, como todos
nós. eu acredito
nas pessoas e na sua
santa sinceridade
eu acredito que
um dia a estrada se
encerra e o que fica
é uma questão
sobre tudo o que
pensamos à respeito
disso, da experiência
do real imaginário
dos nossos sonhos.

terça-feira, 10 de março de 2015

Azul como a noite - venturini.

Não!
Não grite!
Não permita que te digam,
o que você deve fazer
mas se fizerem isso
não grite! não dê a eles
o circo que esperam que dê


Não!
Não se atente
ao bisturi, a cirurgia em si
é o que importa
e toda carne quando cortada
sangra litros

Não!
Não abaixe a cabeça!
Eles vão gritar e dizer
que você não deveria
ter desobedecido o que eles
disseram, mas tudo isso é em vão
agora que já fez mantenha-se em pé

Não!
Não ligue a tevê!
Lá é o lar dos moralistas
e cada dia um novo traficante
é preso e uma criança chora na tela
mas todos se esquecem dos bilhões
sonegados em impostos

Não!
Não respire o monóxido de carbono deles!
Tudo isso foi feito
pensando na gorda barriga
deles e não há mais frutos
que procriem doce neste lugar.

Não!
Não diga que estou paranoico!
Ainda me resta um
último suspiro - se não estou
mal das contas e com ele
vos digo que a única
virtude é toda aquela
que é verdadeira.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Sr.Chinaski - Venturini

Não tente Henry,
não há nada lá
pra gente como nós:
os fracos, os esquecidos...
mas duvido que algum
deles aguente beber
tanta porcaria barata
por tanto tempo assim,
duvido que algum deles
aguente passar tanta
merda assim quanto
a gente tem aguentado
esses anos todos,
aqui nesse bairro sujo,
nessas vielas não metafóricas
com essa pobreza que
desdenha dos nossos sonhos
e chega a nos fazer passar fome,
eu duvido que algum deles
aguente acordar em plena
madrugada e perceber que sua
existência não significa muito.
Não tente Henry,
é melhor que sejamos os
vagabundos e os imorais
se ser vagabundo e imoral
é não ter medo de reconhecer
que o mundo está feito
uma carruagem sem cocheiro
indo em direção à um penhasco
e nós não queremos fazer
parte disso, não é Henry?
Não somos nós que iremos
apertar o botão que dispara
a bomba atômica! Não seremos
nós a abrir o bueiro onde estão
vivendo todos esses ratos
que irão dominar o mundo
com seu plano civilizatório caótico...
Não, Henry... a gente só vai
ficar aqui bebendo mais um pouco,
fumando e vendo as estrelas,
a gente prefere não tentar
ser parte desse jogo imobiliário
onde alguém sempre tem que pagar
pro outro deixá-lo em paz.